segunda-feira, 27 de junho de 2022

O nosso orgulho são os Direitos Humanos

 Direito de Resposta a artigo de opinião do Embaixador de Israel em Portugal, “Entre o Orgulho e o Preconceito”, jornal Público, 21 de junho

Face à exigência do jornal Público de condicionar - amenizando - o conteúdo do nosso legítimo Direito de Resposta ao artigo de opinião "Orgulho e Preconceito" (da autoria do embaixador de Israel em Portugal, Dor Shapira, publicado naquele jornal a 21 de Junho), e considerando a sua recusa de publicação sem que fossem eliminadas do nosso Direito de Resposta a palavra "genocídio" e a descrição de várias das sucessivas resoluções das Nações Unidas sobre o conflito israelo-palestiniano (incluindo a Resolução 37/123 da Assembleia-Geral da ONU, de 1982, que determina os massacres nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, no mesmo ano, como tendo sido "um ato de genocídio"), publicamos o referido Direito de Resposta pelos nossos meios, sem prejuízo do encaminhamento para a Entidade Reguladora da Comunicação Social de uma queixa por manifesta violação da Lei de Imprensa.
 

O nosso orgulho são os Direitos Humanos

Em Junho, celebra-se o mês do Orgulho. Um mês de celebração e luta pelas conquistas de Direitos LGBTI+, pelos Direitos Humanos (DH) e pela igualdade. Seria hipócrita permitir que Estados com políticas segregacionistas e de apartheid, de colonização e campanhas genocidas, se juntassem a uma marcha com estes valores.

O representante de Israel em Portugal está enganado sobre as marchas em Portugal. Estas não são marchas comerciais, financiadas pela coca-cola e que excluem a comunidade. Não obrigam a comunidade LGBTI+ a pagar para poder participar. Não esquecem todas as restantes opressões para as cobrirem com uma bandeira arco-íris. Ao contrário do que afirma, nunca a organização da Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa (M.O.L.) foi contactada pela sua Embaixada tendo em vista uma participação, tendo antes tentado infiltrar-se na M.O.L. através de um expediente manhoso, ao arrepio do regulamento público sobre a participação de entidades na mesma e sem dar disso conhecimento à Comissão Organizadora.  Opera, assim, na falsidade.

Desde que a Palestina foi dividida pelas Nações Unidas em dois Estados em 1947, a ONU adotou inúmeras resoluções sobre o conflito, todas ignoradas ao longo de 75 anos.

A 09 de Julho de 2021, o relator da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos Territórios Palestinianos Ocupados (TPO) pediu que os colonatos israelitas fossem classificados como "crimes de guerra". Apresentando o seu último relatório ao Conselho de Direitos Humanos em Genebra (Suíça), Michael Lynk afirmou que os colonatos israelitas nos territórios palestinianos constituem uma "violação da proibição absoluta de implantação de colonatos". "A comunidade internacional classificou essa prática como “crime de guerra” quando aprovou o Estatuto de Roma em 1998", afirmou.

Pouco mais de um mês após a execução da jornalista Shireen Abu Akleh pelo exército de Israel, o embaixador de Israel em Portugal deveria ter pudor de falar em DH (dos quais os direitos das pessoas lgbti+ fazem parte). As ações militares de um dos exércitos mais poderosos do mundo contra populações civis desarmadas e as suas políticas de apartheid constitucionalmente consagradas não escolhem a orientação sexual ou identidade de género das suas vítimas. Mas a desproporcionalidade não se fica por aí: também é pouco de diplomata, e mais de “bullying” puro e simples usar o cargo de representação de um poderoso estado-nação para atacar insultuosamente meros ativistas e movimentos lgbti+ de Lisboa.  O embaixador Dor Shapira acha que lhe cabe determinar quem representa as comunidades lgbti+ de um outro país soberano. Certo é que não é a embaixada de Israel. É certo também que a M.O.L. não é, e não será, local para que Estados – o de Israel ou outros – e demais entidades venham lavar a cara de violações de DH.

O Estado de Israel sabe o que é ‘pinkwashing’. Não é de estranhar: o termo foi cunhado para descrever a sua política externa, que mobiliza recursos financeiros e outros para se autopromover internacionalmente como respeitador dos DH a pretexto da tolerância para com os movimentos lgbti+. No entanto, é um Estado iníquo que há décadas desrespeita as sucessivas resoluções da ONU sobre a ocupação da Palestina, mantém encarceradas e sujeitas à ação militar 2 milhões de pessoas – quantas lgbti+? - na maior prisão a céu aberto do mundo – Gaza – enquanto nega às populações refugiadas o seu direito de retorno.

Um estado que se vangloria da sua democracia e respeito pelos DH enquanto desenvolve um dos mais longos genocídios da história da humanidade. Segundo Dor Shapira, Israel acolhe pessoas lgbti+ fugidas da Palestina. Esquece-se de mencionar sob que condições: o exército de Israel é conhecido por ter uma unidade de espionagem eletrónica que recolhe informação pessoal sobre pessoas nos TPO, entre outras sobre a sua orientação sexual, de forma a chantageá-las para espiarem em seu favor.

Enquanto Israel não cessar toda a violência contra a Palestina, intimidação e regime de apartheid, a sua autoproclamada tolerância e aceitação são somente atos performativos de exclusão e não políticas de liberdade e igualdade.


A Comissão Organizadora da 23ª Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa

 

sábado, 18 de junho de 2022

O MANIFESTO DA 23ª MARCHA DE ORGULHO LGBTI+ DE LISBOA, 18 de Junho de 2022

 

Direito à existência, celebrar em resistência 

 

Após dois anos de resistência e apoio mútuo, a Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa regressa à rua, 

na sua 23ª edição. Entre uma pandemia, guerra na Europa, a destruição acelerada de políticas sociais

e a precarização e aumento constante do custo de vida, é mais importante que nunca reafirmar o direito 

de toda a população a uma existência digna e  celebrar em resistência as nossas lutas. 

 

Reafirmamos o nosso direito à existência porque sempre foi posto em causa.

Hoje alinham-se novas e velhas forças reacionárias, não só da extrema-direita, para minar conquistas 

dos movimentos feministas e LGBTI+. Confunde-se educação sexual com tentativas de condicionar a 

orientação sexual ou identidade e expressão de género de crianças e jovens, quando isso é exatamente 

o que faz o cisheterosexismo compulsivo e dominante.

Assistimos no movimento social a derivas conservadoras, de um “feminismo hegemónico” que nega a 

história e a diversidade dos movimentos feministas e é abertamente transfóbico e essencialista de género.

Estes setores focam-se desproporcionalmente nas questões da destransição médica para ocultar a transfobia

e negar direitos e dignidade às pessoas trans. Apagam as nossas identidades e expressões de género 

alternativas à norma cis-binária.

Também promovem o proibicionismo do trabalho sexual, são favoráveis à perseguição e criminalização des 

trabalhadories do sexo. Procuram reduzir a diversidade de  pessoas que fazem trabalho sexual a mulheres cis,

confundir os crimes de tráfico de pessoas e exploração sexual com o trabalho sexual prestado voluntariamente 

entre adultes. Estamos com es trabalhadories do sexo na luta pela descriminalização do trabalho sexual. Somos 

contra leis que criminalizem direta ou indiretamente formas de trabalho sexual e de o gerir. Reivindicamos o 

reconhecimento dos direitos humanos, sociais e políticos de todes es trabalhadories do sexo, independentemente 

do estatuto migratório. Denunciamos a política de “resgate” forçado e de repressão do trabalho sexual de rua da 

Câmara Municipal de Lisboa, que viola os direitos humanos des trabalhadories do sexo.


Afirmamos o direito a uma existência digna para as pessoas com deficiência, que o capacitismo e a ausência de

políticas emancipatórias continuam a empurrar para a invisibilidade e para a institucionalização. 

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada por Portugal desde 2009, ainda não foi 

cumprida. Exigimos medidas anticapacitistas que tenham em conta as nossas necessidades reais e nos devolvam

o poder de decidir sobre as nossas próprias vidas, cumprindo o lema da Vida Independente “Nada sobre nós sem

nós”. 

A dessexualização dos nossos corpos e das nossas vidas é perpetuada e reproduzida por profissionais e sistemas

de saúde, privando-nos do acesso a cuidados de saúde sexual e reprodutiva. Entre outras: queremos o reforço 

das respostas de Educação Inclusiva e acesso efetivo a todos os graus de Ensino e ao emprego. Queremos 

acesso universal a serviços de assistência pessoal, financiada pelo Estado, e que seja uma profissão reconhecida 

e regulamentada. Queremos acesso a assistência sexual para quem dela necessita para poder viver e 

experienciar a sua sexualidade em pleno. Queremos o reforço do Estatuto do Cuidador Informal e a revisão do

sistema de avaliação de incapacidade, incluindo o acesso à reforma antecipada, a apoios sociais e a benefícios 

fiscais reforçados. Exigimos financiamento para a adaptação e eliminação das barreiras arquitetónicas em 

habitações e que se cumpram as leis sobre a sua eliminação em espaços públicos. O direito de todas as pessoas

à liberdade e à vida independente implica o acesso das pessoas com deficiência a serviços, a transportes 

gratuitos e ao espaço público. Queremos o reforço da Educação bilíngue para alunes surdes e ensino de Língua

 Gestual Portuguesa para todes es alunes. Queremos mais audiodescrição, legendagem e interpretação de 

Língua Gestual em conteúdos audiovisuais. Não existem respostas para pessoas com deficiência perante

 situações de violência. Exigimos a integração e a proteção de pessoas com deficiência no combate a todas

 as formas de violência. Ainda lutamos pelo acesso aos nossos próprios corpos, desejos e direitos básicos.

 Basta de políticas centradas no assistencialismo e na dependência: é tempo de mudar o paradigma e concretizar 

a Vida Independente, permitindo-nos viver com as mesmas oportunidades e direitos que qualquer pessoa. 

Somos pessoas inteiras, com valor intrínseco e inquestionável, não permitimos que a lógica produtivista 

determine o valor das nossas vidas. A autodeterminação e o poder de decisão têm de passar para as nossas 

mãos, como direitos humanos fundamentais que são!

Não esquecemos quem de nós vê o seu direito de ocupar o espaço público dificultado ou negado pela 

inacessibilidade das ruas. Numa cidade onde tantas pessoas não têm forma de aceder a uma grande parte da 

mesma, marchamos também por quem se encontra impedide de se juntar a nós!


Reiteramos o nosso direito a existir, porque carregamos na nossa luta o luto das 375 pessoas trans e de género 

diverso assassinadas no ano passado. É uma pequena porção dos números reais, que continuam a crescer a

 cada ano, com um aumento de 6% e 7% nos últimos 2 anos. Denunciamos a violência misógina destes crimes

 de ódio, 96% dos quais contra mulheres trans e pessoas transfemininas. Nos Estados Unidos da América os 

assassinatos duplicaram face a 2020 e o Brasil continua a ser o país onde mais pessoas trans são assassinadas, 

um terço do total. São sempre as pessoas mais vulneráveis que mais sofrem com a transfobia - trabalhadories do 

sexo, migrantes e pessoas racializadas, mas com Bolsonaro e o domínio de cidades inteiras pelo poder miliciano, 

multiplicam-se casos de perseguição, tortura e exílio forçado de ativistas, em particular sindicalistas, indígenas, 

negras e trans. 

Falta cumprir o direito a ter onde existir ao faltarem espaços seguros, comunitários, recreativos e não comerciais

 para mulheres, pessoas trans e pessoas não-binárias, como para as demais pessoas LGBTI+ e outros grupos 

vulneráveis.

Celebramos em resistência, porque a polícia continua a ser um órgão reprodutor de violência contra mulheres, 

pessoas trans e não-binárias e contra comunidades desfavorecidas, nomeadamente em tentativas de reportar 

situações de violência.

Reivindicamos o direito a nomearmo-nos, porque ainda não é reconhecida a existência de pessoas não binárias, 

por exclusão na insistência em marcadores de género binários e na escolha do nome limitada a listas 

genderizadas. Exigimos o acesso a mudarmos o nosso nome sem termos que nos subjugar a padrões binários de 

género. 

Os sistemas informáticos dos serviços de saúde continuam sem suportar a alteração do nome e género atribuídos

à nascença, desrespeitando as identidades e tornando os cuidados de saúde em experiências dolorosas e 

burocráticas. Falta transparência nos processos de transição, além da inconsistência nas exigências entre 

hospitais. 

Os cuidados de saúde das pessoas trans continuam centralizados, morosos e precários, deixando muitas delas 

sem acesso ou dependentes de longas viagens. Recordamos as duas unidades de saúde especializadas 

anunciadas, em Lisboa e no Algarve, que poderão ser o princípio duma solução. Faltam cuidados a nível nacional,

 inexistentes nas Regiões Autónomas, e inacessíveis a quem vive longe dos grandes centros. É urgente agilizar o 

acesso a terapia hormonal a pessoas migrantes, independentemente do estatuto migratório, e a pessoas em 

situações acrescidas de vulnerabilidade.


Reivindicamos o direito a existir para as pessoas intersexo, cuja saúde e direitos continuam por abordar 

devidamente, promover e respeitar. Em 2018, proibiram-se as cirurgias desnecessárias a crianças, mas nada está

 a ser feito para trazer justiça às pessoas já sujeitas a estes procedimentos. Exigimos uma proteção eficaz dos 

direitos das pessoas intersexo. Não basta proibir procedimentos invasivos em crianças e bebés, é necessário 

respeitar a autodeterminação das pessoas intersexo em qualquer idade através de legislação antidiscriminatória 

com base nas “caraterísticas sexuais”, independentemente da sua aparência ou configuração específica. É preciso

 rever as classificações médicas que patologizam as pessoas intersexo. Faltam recursos e políticas para investigar

 e abordar a discriminação e outras violações de direitos humanos das pessoas intersexo, com envolvimento das

 próprias e das suas organizações na definição e avaliação de políticas. É preciso melhorar o aconselhamento 

prestado às pessoas intersexo e sues cuidadories, são necessários programas de consciencialização pública e de

 profissionais, e garantir o acesso das pessoas aos seus historiais médicos.


Celebramos resistindo, pois nem uma pandemia que expôs como nunca a precariedade e o desinvestimento 

crónicos no SNS inverteu esse rumo. Continua-se a privilegiar o setor privado, comprometendo o acesso à saúde 

e em particular o dos grupos mais vulneráveis, entre os quais as pessoas LGBTI+. É o que faz a Câmara

 Municipal de Lisboa ao criar planos de saúde no privado para residentes carenciades com mais de 65 anos,

 enquanto surgem denúncias de inscrições rejeitadas nos centros de saúde. Não precisamos de descontos na 

saúde privada, mas sim de saúde pública e de um SNS eficiente que responda às necessidades diversas da

 população.  

Denunciamos também o precário acesso a cuidados de saúde para pessoas LGBTIQ+, pela falta de formação 

de profissionais para atender pessoas trans e não-binárias, pessoas gays, lésbicas e bissexuais, pessoas 

migrantes ou de comunidades racializadas, não considerando as especificidades de pessoas não brancas e não

 heterocisnormativas.


Continuamos a ver os nossos direitos de saúde sexual e reprodutiva sob ataque.

A Procriação Medicamente Assistida já funcionava com recursos insuficientes. Agora, viu as suas listas de espera

 agravadas com a pandemia, através da limitação da resposta em vários centros públicos. Exigimos investimento 

integrado na melhoria do acesso e no aumento da resposta e da qualidade dos cuidados na PMA.

Profissionais de saúde continuam a discriminar-nos com base nas nossas orientações, independentemente de 

existirem práticas sexuais de risco. Homens que fazem sexo com homens e pessoas não-monogâmicas são

 colocadas em grupos de risco; pessoas lésbicas e pessoas com vulva são desencorajadas a testar para IST’s,

 e pessoas em relações monogâmicas são automaticamente consideradas como não tendo práticas de risco. 

Revolta-nos a discriminação latente na comunicação sobre o surto de vírus Monkeypox. Repudiamos a referência 

feita pelo Presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia como sendo uma “epidemia gay”. Indigna-nos que, 

apesar de décadas de avanços científicos e ativismo em relação ao VIH, ainda persistem a serofobia e a 

estigmatização da população LGBTI+, em particular de homens que têm sexo com homens. Estigmatização

 veiculada pela comunicação social e profissionais de saúde, numa demonstração irresponsável de como não

 se deve informar sobre temas de saúde pública. Assinalamos o cuidado da Direção-Geral de Saúde na

 comunicação com organizações do movimento LGBTI+ e o trabalho conjunto no âmbito da prevenção - nada

 sobre nós sem nós.


O acesso à PrEP continua restrito a uma minoria de utentes, limitado ao contexto hospitalar e excluindo as

entidades de base comunitária. O acesso à PEP continua limitado, enquanto persistem os julgamentos morais e a

quebra de sigilo profissional. As pessoas migrantes em situação irregular ou que não sejam titulares de 

documento de direito que lhes confira igualdade de tratamento como pessoas beneficiárias do SNS continuam a 

ter dificuldade no acesso a estas medidas de prevenção.

O fim do VIH continua refém da ausência de vontade política e de investimento público para uma política integrada

de prevenção e de combate à discriminação.


Celebramos a Marcha depois das medidas de proteção contra a covid-19 terem sido removidas na maioria dos 

países ocidentais, que esquecem o contexto de pandemia assim que as situações nacionais melhoram. O acesso 

dos países africanos à vacinação continua limitado e dependente das doações de países ricos que açambarcam 

vacinas. As grandes farmacêuticas não abriram mão de patentes e tecnologias para permitir uma resposta rápida 

nos países mais pobres, com consequências trágicas. Revolta-nos o “voltar à normalidade”, apenas focado na 

economia e não nas pessoas. As falhas na vacinação global apenas potenciam mais mortes e doenças graves, a 

evitar a todo o custo. Reivindicamos o direito a cuidados de saúde e uma distribuição justa de recursos, 

mais importantes quando a pandemia afeta o acesso a todos os cuidados não relacionados com a covid-19.


Somos transfeministas e pelos feminismos plurais, somos mulheres, somos lésbicas, bisexuais ou pansexuais, 

somos pessoas que sofrem com a misoginia e não podemos ser apagadas.

 Denunciamos a ineficácia do combate à violência de género, que aumentou  desde o início da pandemia. 

Em Portugal, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima tem registado uma subida no número de casos de 

violência de 113% desde 2016, com a violência doméstica a representar - em 2021 - 76,8% dos crimes. No entanto, 

o financiamento, os meios e os mecanismos para prevenção e resposta à violência e proteção de sobreviventes 

continuam insuficientes. A pandemia também aumentou a dupla jornada de trabalho, com o trabalho reprodutivo e 

de cuidados a recair sobretudo sobre as mulheres.

Enquanto mulheres lésbicas somos alvo de discriminações e violências específicas, sofrendo assédio e lesbofobia 

no emprego e dificuldades no acesso ao mercado de trabalho. Somos continuamente invisibilizadas e retiradas dos 

lugares de representação e dos recursos, na sociedade e nos próprios movimentos LGBTI+ em que participamos.  

Como mulheres lésbicas, a vivência da sexualidade feminina, em si já menosprezada, é-o duplamente ou mais 

quando acumulamos outras identidades marginalizadas.

Exigimos o reconhecimento das especificidades e necessidades de saúde, das nossas sexualidades e realidades 

de vida enquanto lésbicas.  Afirmamos o direito pleno a constituir família, se desejado, sem que a nossa orientação 

sexual seja mais um fator de discriminação, tanto em disputas jurídicas contra progenitores masculinos pela guarda 

des nosses filhes, como em processos de Procriação Medicamente Assistida ou de adoção. Exigimos maior 

comprometimento na visibilização das nossas vidas, reconhecimento dos nossos amores e famílias para podermos 

estar e viver na sociedade de forma plena e feliz. 


Existimos resistindo. O estado português continua em negação sistemática do racismo estrutural bloqueando o seu 

combate. É urgente rever as políticas de memória histórica, desocultar o passado esclavagista e valorizar as 

culturas de povos e grupos discriminados. 

A legislação que combate o racismo é para lá de insuficiente e ineficaz. Atos graves e comuns são considerados 

meras contra-ordenações. A recusa de fornecimento de bens, de venda ou arrendamento de casa, a recusa ou 

limitação de acesso a cuidados de saúde e a locais públicos, incluindo escolas, deveriam ser crime de racismo. 

A lei também exclui a difamação pública de pessoas ou grupos com base na sua origem nacional, racial e étnica, cor, 

ascendência e território de origem. 

O racismo não é opinião, é crime. O combate eficaz passa pela criminalização.

Continuam a faltar medidas legislativas e fiscalização para proteger os direitos laborais, incluindo de trabalhadories 

informais, combater a precariedade e exploração laboral em setores maioritariamente ocupados por mulheres e com 

um peso desproporcional de trabalhadories de comunidades racializadas. 

Queremos a contratação de mediadories sócio-culturais em todas as áreas de serviço público, nomeadamente nas 

escolas, nos hospitais, nos tribunais, na segurança social e nas prisões, bem como o fim das turmas segregadas, a 

revisão descolonizadora dos currículos e manuais e o ensino bilíngue que inclua a língua materna. É urgente rever os 

requisitos, inadequados e excludentes, de acesso às respostas de ensino da Língua Portuguesa.

Afirmamos o princípio do direito de solo para aquisição automática de nacionalidade portuguesa para quem nasça em 

Portugal, independentemente do estatuto migratório des progenitories. Queremos a regularização de todas as pessoas 

migrantes indocumentadas em Portugal, o reconhecimento da sua capacidade eleitoral e a concretização das quotas 

de emprego e acesso ao Ensino Superior.

Basta de segregação económica, cultural e territorial das comunidades racializadas, que continuam a ser empurradas 

para a periferia dos grandes centros urbanos e para a precariedade habitacional, de transportes, serviços, e outras. 

Os despejos e demolições forçadas sem alternativas são violações de direitos humanos. Exigimos o fim da violência 

policial, da criminalização e do sobrepoliciamento dos territórios onde habitamos. Queremos requalificação dos bairros, 

melhoria das condições de vida e habitação digna para todas as pessoas. É necessário que as entidades estatais 

recolham dados étnico-raciais para um diagnóstico das discriminações que fundamente políticas públicas de combate 

à discriminação racial, como o Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação: insuficiente e desprovido dos 

recursos adequados.

A pobreza energética e a precariedade que estas comunidades sofrem, especialmente as comunidades roma, resultam de 

políticas segregacionistas. Não há justiça racial sem justiça económica e sem justiça climática.

Somos parte das comunidades brasileiras, afrodescendentes e outras na luta contra o racismo. Somos frente contra a 

ciganofobia endémica e estrutural e o permanente assédio policial e da extrema-direita às comunidades roma.

Responsáveis policiais e polítiques continuam a negar o racismo estrutural e tratam as infiltrações da extrema-direita nas 

forças de segurança e militares como “casos isolados”. Exigimos medidas de prevenção e combate a esta realidade e a 

sua investigação exaustiva e independente.

Daniel Rodrigues, Danijoy Pontes, Miguel Cesteiro. Digamos os seus nomes. São inaceitáveis as condições prisionais que 

continuam a causar a morte sistemática e evitável, se não induzida, de pessoas reclusas, e a opacidade do sistema 

prisional face às mesmas e no geral. Exigimos a investigação independente das mortes nas prisões, onde a violência e os 

maus-tratos são frequentes e afetam desproporcionalmente pessoas racializadas, mais ainda quando também são LGBTI+.


Celebramos também em resistência as nossas relações e famílias escolhidas, sempre empurradas para a margem do 

reconhecimento social e legal quando não se baseiam em laços sanguíneos e de matrimónio. O modelo da família 

nuclear é o único previsto legalmente, excluindo-nos de apoio estatal ou institucional e obrigando-nos a recorrer a ajuda 

dentro das nossas comunidades já de si vulneráveis. 

Rejeitamos o padrão incutido pela sociedade da relação monogâmica heterosexual e defendemos a liberdade e proteção legal 

para estabelecer relações familiares e afetivas num conceito alargado, que inclua laços afetivos e relações não-monogâmicas.  


O direito à existência também se aplica a crianças e adolescentes LGBTI+ - responsáveis de educação não podem ditar 

o ensino que aquelas recebem e o seu bem-estar. É urgente um ensino e ambiente escolar acolhedores para estas crianças 

frequentemente marginalizadas e ridicularizadas na escola, em risco de doença mental e suicídio. Exigimos a implementação 

das medidas de proteção contra a discriminação previstas na lei do direito à autodeterminação de 2018. Destacamos a 

necessidade de formação abrangente sobre temáticas LGBTI+ para quem trabalha em contexto escolar.

Continua por implementar o programa de educação sexual escolar, previsto na lei desde 1984. O tema deve ter um horário 

próprio e ser lecionado de forma adequada aos vários ciclos de ensino. A negligência ou exclusão do mesmo são perigosas, 

colocando em causa o desenvolvimento saudável das crianças e jovens num ambiente de compreensão e aceitação da diversidade 

humana, a nível de características sexuais, sexualidade, identidade e expressão de género.

No ensino superior, confirmam-se centenas de denúncias de assédio e a manutenção de um ambiente abusivo, machista, racista e 

LGBTIfóbico que afeta milhares de estudantes.  

O ensino superior não pode continuar a ser um ambiente hostil, repleto de discriminação e preconceito.

As propinas continuam a ser um entrave a estudantes que queiram continuar os seus estudos, agravando a desigualdade entre classes. 

Exigimos a propina zero.


Após a pandemia de Covid-19, a guerra na Ucrânia mergulhou a Europa no espetro da crise económica, do desemprego e da 

austeridade sem fim com os salários a perderem poder de compra. Ouvimos falar cada vez mais das empresas unicórnios mas 

ignoramos os unicórnios empurrados para a rua. Não faltam incentivos para as empresas, mas a crescente gentrificação da nossa 

cidade deixa a sua população na rua. Grande parte da população LGBTI+ vive em precariedade e em risco de perder a sua casa.  

Precisamos de uma cidade para as pessoas, não para as empresas!

Denunciamos a desconsideração institucional pelas nossas necessidades, lutas e vivências, e pelas nossas vozes. 

Em Lisboa, o executivo da Câmara Municipal recusou-se a hastear a bandeira trans no Dia da Visibilidade Trans. A Vereadora do 

pelouro dos Direitos Humanos e Sociais - Laurinda Alves - insistiu em desrespeitar o género de ativistas trans em reunião, e afirmou 

não ver “classes, cores ou géneros”, negando as violências estruturais e sistemáticas que vivemos diariamente. 

No Porto, a Câmara Municipal montou um mastro com uma bandeira arco-íris a pedido de associações comerciais após anos a ignorar 

os repetidos pedidos da Marcha do Orgulho do Porto. Rejeitamos que o nosso reconhecimento e os nossos direitos só tenham atenção 

institucional quando comercializáveis.

Celebramos os 40 anos da despenalização da homossexualidade e do “travestismo” no Código Penal, e exigimos a criminalização das 

terapias de conversão da orientação sexual, que continuam a realizar-se impunemente em Portugal. Lamentamos os continuados vazios 

legislativos na penalização e combate aos crimes de ódio, e o chumbo recente duma iniciativa legislativa para a implementação de políticas 

públicas para o combate eficaz aos mesmos, incluindo o reforço dos mecanismos de acesso seguro à denúncia e de proteção das vítimas.

Assistimos ao desinvestimento contínuo nos setores públicos da Educação e da Saúde ou na proteção e na habitação sociais, enquanto o 

custo das crises recai sempre sobre as pessoas contribuintes e os setores mais fragilizados. As pessoas em situações mais precárias pagam 

o aumento da inflação, enquanto as grandes empresas fogem ao fisco e mantêm as margens de lucro intocadas.

Os atuais modelos produtivo e económico são incompatíveis com a minimização das alterações climáticas: dependem de combustíveis fósseis 

e reproduzem desigualdades que minam as relações norte-sul. A devastação da fauna e da flora para implantar “desertos” de painéis solares ou 

a extração de lítio para produzir baterias de veículos elétricos apesar das consequências desta mineração são falsas soluções “verdes”. 

A contínua monetização das questões climáticas coloca em perigo a própria Humanidade. Precisamos de proteção social e proteção civil, de 

florestas cuidadas e rios limpos. É por isso que a Marcha, com todas as suas cores, se quer a cada ano MELHOR E MAIS VERDE.


Defendemos o direito a existir e a autodeterminação para a Ucrânia e todos os povos sob ocupação. Estamos com a resistência ucraniana.
Somos pelo melhor acolhimento das pessoas refugiadas em fuga do conflito. A paz na Europa só é possível com o fim da ocupação russa da Ucrânia e o fim dos
regimes autoritários, como os de Orban ou Putin.
As guerras são uma catástrofe para todas as populações afetadas, mas também formas de acumulação de rendimentos para os bilionários.
Não precisamos de discursos belicistas, nem de mais investimento militar, nem de pertencer a qualquer aliança bélica. Queremos políticas sociais, para a paz e
o bem comum, um SNS robusto, um sistema de educação universal e gratuito, inclusivo e de qualidade. Precisamos de acabar com o negócio da guerra e de saber
acolher todas as pessoas refugiadas.
 

Denunciamos a discriminação e o racismo sofridos por pessoas racializadas que tentavam fugir da Ucrânia. 

Condenamos as políticas que privilegiam refugiades de umas nacionalidades sobre outras. Direito a existir, 

para que democracia signifique paz, direitos sociais, culturais e políticos, e respeito por todas as pessoas.

A Europa tem sangue nas mãos. Continua focada em políticas de “retorno” de migrantes e refugiades e de proteção 

securitária das suas fronteiras, como se vê na Polónia e na Hungria. Favorece o tráfico de pessoas e dificulta os 

processos de asilo em vez de criar rotas seguras e políticas de cooperação para o desenvolvimento dos países de origem. 

Faltam meios e mecanismos para o combate ao tráfico de pessoas, ao trabalho forçado e à exploração laboral. 

Falta financiamento para acolher e integrar todas as pessoas refugiadas e necessitadas de proteção internacional que 

chegam ao país, com prioridade ao direito a habitação digna e adequada.

Repudiamos os acordos entre a UE e a Turquia, e entre o Reino Unido e o Ruanda, para retenção, detenção e expulsão 

de pessoas refugiadas, violando os acordos internacionais de acolhimento de refugiades na Grécia, Turquia e Egito.


Exigimos o reconhecimento do estatuto de refugiades do clima e políticas de acolhimento, integração e autonomização. 

Basta de pessoas detidas em campos de refugiades. Exigimos também o reconhecimento e apoio às pessoas LGBTI+ 

que vivem deslocadas em países nos quais a sua existência é criminalizada. Exigimos o fim do falso modelo de acolhimento 

que detém pessoas migrantes e refugiadas ao verem recusada a entrada no país, propiciando abusos e violência. 

Não esquecemos Ihor Homenyuk.


Celebrar em resistência, porque persistem sintomas dum sistema misógino, racista, capacitista e lgbti-fóbico. 

Estamos em luta constante para manter e aprofundar os direitos que nos esforçamos tanto por obter.

Direito a existir, mas uma vida que valha a pena para todas as pessoas. Direito a celebrar, porque existimos e resistimos.

Direito a resistir, porque nada é dado, mas juntes somos mais fortes e tudo se alcança!

A Marcha voltou.

A Marcha sempre aqui esteve, a Marcha é viva.

Em 2021, saiu espontânea. Em 2022, vem plenamente, gritar:

Direito à existência, celebrar em resistência!