Se Maria Cavaco Silva fosse um homem,
José Policarpo vivesse numa relação afetiva e sexual simultaneamente com o
responsável pela sacristia e a senhora da mercearia, se Marinho Pinto coadoptasse
a criança do seu motorista ou Isilda Pegado tivesse um pénis, este país à beira
do precipício austeritário, não seria muito diferente.
Mais colorido e tolerante, talvez. E
isso não é pouco. Mas essencialmente Belmiro de Azevedo e Alexandre Soares do
Santos poderiam continuar a pagar salários de miséria enquanto acumulam
riquezas nos paraísos fiscais, a saúde pública poderia continuar a ser
destruída em nome da oportunidade de negócios do BES e outros bancos, a escola
pública a produzir desigualdades e modelos onde pobres ficam fora da democracia,
as pessoas que trabalharam e descontaram toda a sua vida podiam continuar a ser
roubadas nas suas reformas e a ser atiradas para limiares muito abaixo das
linhas da dignidade.
Atingindo particularmente a população
mais débil e desprotegida, a crise afeta todas as pessoas, desvaloriza o
trabalho de cada um e de cada uma, transforma a vida numa lotaria onde se
decide a sobrevivência. Atingindo particularmente a população LGBT, a crise
impede o acesso a direitos formais, transforma políticas de igualdade em
retóricas vazias, provoca o regresso aos armários de muitas pessoas que olham
para o fim do mês e para as contas a pagar.
Por isso esta Marcha LGBT de Lisboa,
tem o combate à crise e aos seus responsáveis no seu centro. Por isso vir para
a rua no dia 22 de junho, é uma passo fundamental para a visibilidade de todos
os direitos que faltam conquistar e a afirmação clara de que o capitalismo e a democracia
formal que vivemos provaram que não servem como sistema. Não servem para a justiça
social, não servem para a redistribuição da riqueza produzida, não servem para
garantir igualdade de direitos entre orientações, identidades e proveniências
de classe, não servem para garantir que o planeta e os seus recursos naturais
são preservados para as gerações futuras.
Vir para a rua no próximo dia 22 de
junho, em Lisboa, no dia 6 de julho no Porto, como aconteceu já a 17 de maio em
Coimbra, ou como acontecerá ainda durante o verão em Ponta Delgada e Braga, em
sintonia com as pessoas desalojadas pelos bancos no Estado Espanhol, as
desempregadas na Grécia, as pensionistas em Portugal ou as mulheres de todo o
mundo que combatem o patriarcado é o orgulho de uma resistência, hoje mais que
nunca, necessária.